sexta-feira, 29 de abril de 2011

M,

Mais uma folha em branco me encara. Mais um pós-dia de sempre, mais uma noite de cansaço, mais um amanhã por ser escrito. Quando se ativa o piloto automático, a facilidade com que se caminha é infinitamente maior, é quase como falar um idioma com fonemas superficiais ou mesmo evitar falar usando o atalho dos gestos... E se fazer entender mesmo assim. Pré-programação, protocolo certinho que leva sabe-se lá para onde, cálculo meticuloso de números sem que o resultado seja crucial. Romper o protocolo é escrever, é parar para pensar um pouco mais. E o pé atrás, regulador de todas as inseguranças, diz para seguir em frente sem olhar para os lados. Fechar os olhos e esquecer que os braços insistem em querer abraçar. O pé continua atrás, puxando a vida para aquele comodismo parado e lacônico, enquanto as mãos inquietas não sabem se o futuro é digno de esperanças ou não. Enquanto isso, presa no invólucro do não-saber, desafio é encarar a dúvida como sendo um jogo interessante. Desafio é parar de vez em quando para derramar palavras, mesmo sabendo que esse ato simples é provocador de rachaduras em barragens de rios caudalosos. Desafio é jogar comigo mesma sabendo que sempre perdi e, bom, se sempre foi assim, por que dessa vez seria diferente, não é mesmo?

Não espero que você responda essa pergunta final, afinal, não é sua a presença desencadeadora de explosões vocabulares. O que lhe pertence são as ausências e dessas eu já tenho mais que o suficiente.


S.

segunda-feira, 4 de abril de 2011

M,

Alguém me olhou nos olhos e perguntou: “Deixou de escrever?”

Aqui, espaço propício para tal, digo: Deixei de sentir. Pura verdade, tango radical, por uns tempos foi assim. Até que hoje percebi, em meio à normalidade cinza de sempre, que sou ser de sentir. Escassez de poesia foram esses tempos de música muda, chuva quieta e foco no trabalho. O que não deixa de ser agradável, o ato de escrever por escrever não fez tanta falta assim (Se dissesse que morri de saudades de escrever para você, estaria mentindo. Você sabe que não tenho motivos para ocultar verdades óbvias.) e ultimamente minhas palavras têm sido destinadas a pessoas reais&presentes. Você, ausência pura, deixei para lá. Mas, sim, voltei. Como quem tenta apagar uma página rabiscada com outros rabiscos mais fortes e nervosos, voltei.

Sentimento não me deixa. Sei que não preciso explicar o tipo de paixão que me acomete, sei que não preciso dizer que não é destinada a absolutamente ninguém. Algo não humano, que é abstrato por achar que o real não é merecedor. A mesma paixão que é abastecida pelas literariedades, pelas Buarquices ou pelas sonatas quaisquer. “...o que não é direito ninguém recusar...” E não recusa porque não pertence a ninguém além de mim. Não recusa também porque não existe. Não nego porque existe. Só aqui. Meus livros, meus discos, essa chuva que tá caindo lá fora e minhas páginas em branco sabem. Um sentir-por-sentir qualquer não destinado ao real manifestado apenas num fechar de olhos em meio a uma apresentação de ópera. Frase longa, período truncado, sentidos confusos. A desistência da esperança não significa transformação em insensibilidade, pelo contrário. Agora é abrir os olhos para cada surpresa agradável, para cada manifestação carinhosa, para cada frase marcante de cada livro lido, para cada acorde bem-sucedido em cada música ouvida. Se ultimamente vivi o que não esperava e agi como não esperava (e gostei de ter vivido assim), melhor acrescentar um gosto diferente aos meus dias. O mesmo gosto de quem gosta de ver cada detalhe de maneira própria. Aquele gosto de quem retribui incógnitas com abraços. Sentir é isso. Mesmo sem entender.


Sua,
S.