sexta-feira, 5 de agosto de 2011

M,

Vou te contar uma história sem nomes nem fotos. Só pronomes. Assim como nós.



Ela ficava até tarde no escritório. Primeira a chegar, última a sair. Cercada por mesas vazias, lembrava constantemente de quando contava quantas carteiras e quantos cadernos imóveis existiam em salas de aula nos intervalos. Mochilas substituídas por pastas, sorvete no recreio substituído por café nos dez-minutos-entre-reuniões, tempo encostada no muro esperando ônibus substituído por tempo aborrecido enfrentando engarrafamento. É o preço que se paga por crescer. Enquanto interpretava o seu papel de Mulher-Profissional-Bem-Resolvida-e-Independente, espalhando pelo mundo exemplos de profissionalismo e sendo até chata às vezes, quando interrompia um lanche com amigos pra falar de assuntos de trabalho, ela passava pelos dias como quem se desespera pra chegar a um lugar que não se sabe qual é. O desespero, ao longo dos anos, foi atropelando tudo e levando muita gente que não era pra levar. E ela continuava sem saber aonde queria chegar.

Um dia, ela encontrou uma mocinha ruiva que lhe deu um balão. Era vermelho. Sua memória, péssima nas ocasiões mais necessárias, nunca ia lembrar da primeira frase trocada. Ou mesmo da circunstância do encontro. Ela só sabe que aconteceu, o momento do balão, pá, ali.

Quando eu falei que as atitudes dela foram arrastando pessoas pra longe enquanto o tempo corria, deu pra perceber que o resultado disso é ficar só. Havia, é claro, os companheiros de cotidiano, mas eles tinham suas próprias pessoas e suas próprias vidas. Não dava pra incluir mais alguém assim, sem mais nem menos. Não dava pra priorizar. Não dava pra confiar.

– Tira uma foto minha? – A menina disse em algum momento. Ela respondeu que não havia como tirar fotos ali, tinha um compromisso em vinte minutos. A menina deu um sorriso, demonstrando ser indecepcionável. Ela achava que era um sorriso-de-tchau, mas viu que ainda havia uma mão delicada segurando a sua.

Às vezes a gente acha que a companhia de todo dia vai estar ali exclusivamente pra gente quando for preciso, mas quase ninguém faz isso. Talvez porque as pessoas sejam ocupadas demais para se importar tanto assim com as outras. Até porque, todo mundo está querendo chegar a um lugar que não sabe direito qual é. E esse desespero não dá margem a participações externas.

Algumas pessoas nesse mundo conseguem flutuar quando andam. Para perceber que elas flutuam, é preciso alcançar o mesmo nível de leveza. A menina ruiva flutuava. O engraçado disso é que, enquanto estavam juntas, nenhuma das duas parecia tocar o chão.

Ela costumava se divertir, sabe. Tinha as suas farras pessoais, não negava nenhuma oportunidade de desopilar. Rotina driblada com finais de semana vividos do melhor jeito possível. O problema era voltar para casa. O sucesso profissional e as vitórias pessoais acabavam perdendo um pouco o gosto. A gente só é feliz quando compartilha isso com alguém.

Enquanto trocavam palavras quaisquer, ela percebeu que os cabelos da menina na verdade eram uma coroa de cachos vermelhos. Era uma rainha, parada ali na sua frente. E estava ali para salvá-la. Em algum momento, que a memória também roubou parcialmente dela, soube que nunca mais veria a garota ruiva.

Voltou a si, repentinamente, e estava caminhando pela mesma rua. Sentia um cheiro de flores. Uma vontade imensa de ter abraçado a menina enquanto teve oportunidade. Nunca abraçou.

O balão estourou antes que chegasse ao escritório.





Beijos,
S.