segunda-feira, 3 de junho de 2013

M,

Imagine ter a capacidade de congelar 365 momentos em caixinhas. Você abre uma delas e, por alguns instantes, consegue ser transportado para aquele espaço-tempo-sensação que já passou. Ótimo, não é? Mas imagina só essa leveza sendo renovada todos os dias. Os momentos congelados não perdem a beleza, mas saber que o instante seguinte sempre pode ser mais interessante faz com que a gente se sinta vivo.

Ainda na perspectiva de recapturar memórias, acho que o número 365 seria ideal por guardar o bom (para nos deixar felizes) e o ruim (para nos deixar maduros) em um ciclo que equivale a um ano. Talvez um ano seja o tempo em que a gente percebe o que mudou em termos práticos, pois não está nem tão distante a ponto de perder a nitidez nem tão perto a ponto de se tornar imperceptível. Em um ano, consigo ver quem foi embora e quem eu quero que fique. Ambos pra sempre. Palavra pesada, eu sei. Afinal, quem tem o controle da eternidade? Mesmo assim, algumas palavras merecem o peso que a gente dá pra elas. Usar de eufemismos pode não ser a solução mais sábia, às vezes a vida pede intensidade.

Por sinal, a minha receita particular de felicidade fala: quem sabe misturar leveza e intensidade em doses alternadas é capaz de multiplicar os melhores sorrisos. Mas sou suspeita pra falar. Tenho tido surtos de um otimismo inabalável, que se manifesta feito canção em beira de praia. É o que tenho guardado em todas as minhas caixinhas.

Sua sempre, S.

sábado, 18 de maio de 2013

M,

Escrevo pra te dizer que o menor dos movimentos pode mudar qualquer convicção. No costumeiro esforço de se proteger do mundo de fora, a gente esquece que nem sempre consegue mandar no mundo aqui de dentro. E as mudanças nem sempre precisam partir da gente: às vezes o papel que nos cabe é o de receber a vida de braços abertos. Quando os sonhos cansam de bruxulear ao nosso redor nas noites mal dormidas e resolvem encarar a vertigem de uma queda livre cujo único rumo é a realidade, a gente sorri um sorriso cor de mar.

Mesmo que os tempos silenciosos tenham sido tão longos quanto uma frase sem vírgula, a vontade de cantar nunca foi embora. E eu cantava baixinho, num sussurro de quem cuida do que nunca deve morrer. Numa dessas, você descobre que cada nota merece ser tocada como o primeiro pingo de cada chuva. Porque toda chuva tem a nuvem certa pra nascer. É com cuidado que a gente reinventa acontecimentos, dobra realidades, multiplica papéis e pluraliza singulares.

A percepção minuciosa de ser uma pequena engrenagem numa cadeia de causas e consequências faz a gente funcionar em prol do outro e de si. É quando você olha pra cima e não consegue controlar a vontade de voar, é quando a noite te presenteia com um ímpeto de coragem, é quando um conjunto de sons recupera uma infinidade de memórias, é quando todas as lágrimas parecem ter um sentido, afinal. E felicidade não avisa quando chega, sabe? Faz parte daquela mágica das descobertas tranquilas: aquilo me é especial.

Há quem diga que o essencial é invisível aos olhos.
Descobri agora: felicidade é um abraço.

Sua, S.

domingo, 24 de março de 2013

M,

A gente aprende as maiores coisas de repente. Você tem todas as suas convicçõezinhas ordenadas por cores, nomes e prioridades, aí alguma coisa que mais parece um tiro – escandaloso e espantosamente rápido: BAM! – te faz um buraco do tamanho de um limão e você percebe que um pedaço seu voou pra longe. E aí, vai lá buscar? Nem importa em que ordem da filinha de convicções aquilo estava, as coisas são tão simples quanto fazer um barquinho de papel. É uma questão de ir ou não ir.

Talvez pela pressa que o mundo nos impõe todos os dias, a gente acaba deixando de manifestar o que deveria no momento em que deveria. E o tempo não para pra que a gente se prepare. Se nós tivéssemos coragem de encarar a dualidade do “sim ou não”, todos os problemas seriam resolvidos com a simplicidade do preto no branco.

Você deve estranhar ler essas palavras de mim. Logo eu, que não gosto de dualidades. Continuo achando que existem milhões de cores além do preto e do branco, e que nada é tão simples a ponto de ser separado em dois opostos. Mas entenda: estamos falando aqui de situações que se prolongam mais do que deveriam, por comodismo ou por espera indevida. Às vezes, é saudável optar imediatamente entre ir ou ficar.

Pluralidades à parte, você há de concordar comigo: a vida é feita de construções e desconstruções.

Sua, S.

sábado, 23 de março de 2013

M,


Certos objetos, situações e pessoas têm a capacidade de te deixar mais leve. Funcionam como um balãozinho mesmo, sabe? Você se segura nisso e sente que voa, mesmo que todo mundo veja que você ainda está no chão.

Algumas cenas, por outro lado, funcionam como âncoras. Você, de alguma forma, dá vida às possibilidades mais temidas e aquilo faz seu coração virar água de cachoeira. A queda vertiginosa causa a mesma sensação. Juro pra você: me sinto tonta.

Tá vendo, como não adiantava prometer textos felizes? Não tenho como prever.
A gente devia ser poupado dessas sensações. Se eu estivesse, sei lá, dormindo, não teria uma âncora puxando meu coração pros pés agora.

Ainda bem que existem amigos e abraços.
S.

quinta-feira, 21 de março de 2013

M,

Sempre achei que viajar fosse a melhor forma de sair de si. Não tô falando de fazer besteira ou de bancar o louco-heróico-corajoso-suicida, o sentimento é outro. Imagina assim: você aí, parado, lendo minha carta. Sorrindo ou não, achando um saco ou não, com saudades ou não. Em um determinado momento, sem prestar atenção no que você está sentindo, outra versão de você mesmo se descola do seu corpo e flutua. É, eu sei que você pensou naquelas cenas bem trash de espíritos e tal, quando alguém morre e a alminha fica flutuando acima do corpo. Ok, é meio fantasmagórico, mas pode ficar com essa visão. É mais ou menos isso, mas sem o temível fator Morte. A parte que sai de você é você mesmo sem o peso, sem as dúvidas, sem os traumas. É você sem a realidade. Essência, não existência.

Esse outro-self representa absolutamente tudo o que você queria fazer e não faz porque não consegue voar (a gravidade é uma bandida mesmo). O que te puxa pra realidade não existe e você está em outro lugar, tendo contato com uma parte diferente do mundo, falando com outras pessoas que você nunca viu e provavelmente nunca mais vai ver na vida. O que isso significa? Liberdade, meu bem. As asas do desconhecido estouram a tua bolha cotidiana e forçam teus olhos a envelhecerem.

Por sinal, um parêntese: () existe alguma coisa mais bonita que olhos velhos? Eles brilham mais que todos os outros, como se afirmassem constantemente a existência de uma pluralidade de imagens captadas que nem a mais poderosa câmera do mundo conseguiria documentar. Um dia, meus olhos vão ser mais bonitos que todos os que já fotografei. Só questão de tempo.

Bom, voltando à viagem, o que importa é esse desprendimento do cotidiano que te faz amadurecer. E dar adeus à rotina e às pessoas que costumeiramente colorem sua vida não significa esquecê-las: muitas vezes, lembrar-se delas quando você está longe pode significar tudo. Os vôos tranquilos do nosso outro-eu só têm espaço pros sentimentos, nunca pra consequência deles. Já percorri alguns quilômetros só pra lembrar de alguém em paz, sem os aperreios de uma consciência pessimista-disfarçada-de-realista. E fui feliz à distância, contando estrelinhas e minutos, mesmo sabendo que nada me esperaria na volta. Voltei à realidade e um pedacinho dos meus sonhos ficou lá, só esperando pra cair feito chuva no sertão.

Moral da História: seus olhos envelhecem quando você sai da bolha e vai viver. Pra isso, são necessários: 1) desprendimento pras despedidas momentâneas, 2) sensibilidade pra enxergar as coisas que merecem ser vistas com atenção, e 3) coragem pra admitir o que sente de verdade.

O texto podia terminar na Moral da História (sinto que estou quebrando um protocolo milenar neste momento), mas agora chegou a parte em que eu digo o que realmente tinha a intenção de dizer desde o começo. É que a minha covardia... Cê sabe como é. Mas olha só: sei que, pra você, ou sou sumida ou sou triste. Peço desculpas por isso. Se eu gostasse de promessas, diria que escreverei textos mais felizes de hoje em diante. Mas é melhor deixar o tempo falar com a gente. Uma hora ele responde tudo.

Mas eu queria encerrar de um jeito diferente, meio sem nexo, como as músicas do Renato Russo (ele fala de bondade e de coragem, aí logo depois diz que a casa dele tem um poço de água muito limpa, né, vai entender). Se a gente prestar atenção, a falta de sentido das coisas é só um disfarce das maiores verdades. Taí os sonhos, que não me deixam mentir. Um dia interpreto direito essa música do Renato.

Permissão concedida (sei que você me dá as mais bonitas liberdades), a frase ideal para o fim da carta é: 

Tenho uma pessoa muito bonita que merece ganhar um sorvete.



Esteja sempre bem,
permita que seus olhos envelheçam pelos motivos certos.
Sua, S.

terça-feira, 19 de março de 2013

M,

Recentemente, descobri que ilusões são coisas muito boas. Nós precisamos delas. Não me pergunte o porquê.

Sua, S.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

M,



Encontrei-o numa festa, quatro anos depois. Achei que sequer lembraria de mim. Sem demonstrar o mínimo de intimidação pelo fato de eu estar cercada de amigos, apareceu. Deu boa noite a todos, como um Verdadeiro Homem Feito, e pediu licença para me "roubar" cinco minutinhos.

Foi menos que isso. O tempo, suficiente para me fazer sentir o cheiro das vodkas que ele havia tomado, foi condensando vários anos de silêncio em pequenos blocos de solidez e solidão que se dissolviam no ar a cada palavra dita. Pediu perdão. Por mais que eu dissesse que não me sentia importante o suficiente para desculpar ninguém (somos todos um infindável acúmulo de erros), fez questão de ouvir as palavras de mim. Hoje, eu estava bem com aquilo.

Ok, já que insiste, eu te desculpo por nunca ter olhado pra mim enquanto eu olhava pra você. Pronto? Satisfeito? Passou, passou.

De fato, havia passado. Era passado. Eu o observava com o mesmo olhar (fotográfico? talvez) que só dedico aos que já roubaram meu coração algum dia. Os olhos ainda eram de menino. A barba contradizia o jovem espírito que havia me arrebatado anos antes. Estava lindo, talvez mais lindo hoje do que quando o conheci, naquele dia de abraços rápidos, palavras curtas e planos longos. Me deu um abraço apertado e desesperado, como quem tenta recuperar todos os anos desperdiçados pelo medo.

Desculpa.
Já disse que te desculpo. Não se preocupa.

O tempo não parou. Não flutuei. Os amigos olhavam, fazendo piadinhas. Pouco importava. Para mim, não havia mais nada. Encerrei a conversa, o coração pedindo desculpas em voz sussurrada, porém tranquila.

Expliquei o motivo. Estava ocupada olhando para outra pessoa que não olha para mim.


S.