sexta-feira, 8 de julho de 2011

M,

Havia luzes. E prédios. E placas. Semáforos verdes e vermelhos aceleravam e congelavam o que estava ao meu redor. Minha cabeça, confusa, estava próxima à janela numa busca incessante por qualquer vento que me balançasse os cabelos. Outros carros passavam por nós, ônibus de trabalhadores cansados e solitários, olhares perdidos em janelinhas (como o meu), luzes fosforescentes no topo de edifícios altos. Todos insones, como eu, como você. Já passava de meia-noite e eu tinha a música comigo. Tinha os fones, passaportes só de ida para um lugar onde a visão, o olfato ou o tato são supérfluos: aquele era o meu mundo. Sabendo disso, de olhos fechados deixei-me despentear. Imagens ruins e boas ziguezagueavam, mas o sorriso ficou perdido no caminho. A noção de tempo me escapava, como em outras ocasiões melhores, e a volta para casa parecia bem mais longa do que deveria ser. Tentava desenhar estas palavras no ar, gravá-las ali. Eu, que não tinha mais forças, ainda tentava lembrar-me deste simples texto, que nem sequer fora escrito até então. Tal dever requer um esforço que parece ter proporções sobre-humanas no momento. Uma musculatura cansada tentava buscar repouso na própria respiração. Inspira, fundo, solta. Devagar. Abri os olhos e as luzes me cegaram, tornei a fechá-los como quem foge do inescapável. Acordes me embalavam no escuro, uma dança suave me fez viajar. O tempo fugiu novamente. Minha priminha, uma pequena flor de cabelos negros e lisos, estava deitada no meu colo. Enquanto mexia nos cabelos dela, percebi uma mudança no comportamento: ela apertava minhas mãos, como quem me chama. Olhei para ela enquanto abaixava o volume da música e

- Você tá chorando?

- Não, florzinha. Tô não. (uma lágrima escapa aqui)

Tentei sorrir, não sei se consegui. Eu e minha dificuldade de admitir. Ah, a sensibilidade das crianças. Enquanto eu fingia que a enganava, ela estava muito mais consciente que eu e me deu um beijinho na mão. Fechei os olhos e de repente me vi criança, deitada no banco de trás de um carro, numa viagem cujo destino não interessa: só as sensações são lembradas. O céu azul com nuvens correndo ao fundo, meu olhar curioso totalmente voltado para cima e para fora, as árvores e os postes ameaçando cair em cima de mim a qualquer momento, sempre que o carro fazia uma curva. Lembro de ter lido isso em um livro, a descrição exata dessa mesma sensação, poderia ter sido escrito para mim. Ou por mim. Mas ali, fora da memória, não havia nuvens e eu já não era mais tão pequena a ponto de caber perfeitamente esticada no banco de trás de um carro. Continuei deixando-me levar pela fluência do que me faltava, viajando por cenas que não mais consigo lembrar ou descrever. Caí no sono.

Mãozinhas infantis me despertavam, enquanto a consciência vinha me dizer que já não havia música. O passaporte perdeu a validade e os fones agora eram silêncio. Havia chegado em casa. Cadeados, portões, interruptores. Agora estas palavras me conduzem. A noite me embala, como quem fecha delicadamente os olhos de um rosto cansado, me dá um beijo e me põe para dormir.


Sua, S.

segunda-feira, 13 de junho de 2011

M,

Sei que é impossível nos encontrarmos, mas, caso isso acontecesse, você não me reconheceria. Talvez tua amargura contraste com a minha conformidade e a única conclusão a ser feita é a de que não se pode ser a mesma pessoa pra sempre. Ainda sou muito otária, sabe. Ainda tenho vontade de dizer, no maior clima de ano novo, um “foi muito muito muito bom ter te conhecido e não vou esquecer o que andamos vivendo por aí”, mesmo em plenas férias de julho. Não acho que um ano precise acabar pra que tenhamos vontades de falar dos meses bons. Também não acho que abraço nenhum deva ser negado em hipótese nenhuma. Você nega abraços, não é? Por isso não me reconheceria, não me compreenderia. Ou talvez eu te convencesse que abraçar não faz mal algum. A verdade, sobre o tempo e tudo mais, é que o ano ainda está longe de acabar. Falta metade. Sobra falta. Essa mesma falta, que enche meus dias de ausência, tanto me dá suspiros quanto sorrisos. Porque sei que não foi sempre assim. Talvez não seja sempre assim. Ou talvez eu aprenda de vez a ser assim, amarga, e comece a negar abraços também. Mas aí não serei mais eu e a minha parte louca-trôpega-bêbada-heróica vai sumir. E, se foi justamente essa minha parte que me trouxe a sanidade e a maturidade recentemente adquiridas, não faço questão de me despedir dela. Vou continuar abraçando, mesmo que não seja abraçada de volta. E faço isso sorrindo, todos os dias, porque tenho memória e ela está comigo sempre.


Beijos e abraços. Principalmente abraços.
Sua, S.


Ps – já são duas horas da manhã e a lua está linda.