Terminei a carta anterior falando de precipícios. Pois sonhei
que pulava de um. Não lembro do instante exato do impulso, só lembro que pulei.
Não medi distâncias, não medi conseqüências, não medi possíveis dores. Fui. Logo
eu, de crenças tão medrosas, vi naquele abismo uma possibilidade qualquer de êxtase.
Acho que queria o vento nos cabelos, só isso. E resolvi arriscar tudo o mais
pelos segundos que nunca seriam primeiros. Inconsequente como criança afoita
que não sabe nadar, consciente como velho olhando fotos em preto-e-branco.
Não sei por quanto tempo estive caindo, só consigo lembrar
que tremia. Munida de todas as certezas que cabiam a alguém que planeja
absolutamente todos os seus atos, fiquei feliz por conquistar algo que fugia
totalmente aos meus protocolos. Mas era meu e de mais ninguém. Aquela queda,
com todo o frio cortante e a adrenalina do quase vôo, era só minha. Você sabe
mais do que ninguém o quanto isso era necessário pra que eu revivesse. E o
mundo tinha tantas cores ali, na escuridão dos olhos fechados por um sonho, que
qualquer justificativa seria desnecessária.
Alcancei o chão. De repente, como quem descobre o segredo de
um cofre, percebi que a minha recompensa era não sentir mais nada. Deve ser
esse o enigma dos loucos e suicidas, então. Ainda bem que só precisei de um
sonho para descobrir. Só não sei se o mundo perde com a minha insensibilidade,
acho até que ele não é digno de sentimentalismos. Não sei se devo guardar um
pouco de amor para destinatários falsos, e você há de concordar com essa
falsidade. A mágica do ciúme é especialidade sua, quem sou eu para tirar sua
razão, meu bem.
Prefiro pular de precipício em precipício, procurando na
chuva ou nas luzes algo qualquer que me faça respirar. Impossível é organizar o
tempo. Do que já foi e do que não virá mais, não se pode extrair nem uma
gotícula de som. Porque o silêncio fala mais. E, de palavras, as páginas em
branco estão cheias.
S.