terça-feira, 18 de janeiro de 2011

M,

(Primeiro parágrafo em Tom Maior)

Começo logo dizendo um desejo: sempre quis ter uma varanda. Seja em uma casa, apartamento, tanto faz. Uma varanda faz-se primordial, elemento tão importante para uma construção quanto os livros são para uma estante vazia. (Uma curiosidade: Sabe que sempre pensei em mim como uma pilha de livros jogados e desorganizados? Confusos. Páginas arrancadas, sem estante.) E, quando falo em construção, digo que ela é um elemento importante não apenas no sentido estrutural da palavra; não me refiro apenas a cimento, areia, ou qualquer dessas materialidades. Varanda é espaço de construção de pensamentos. Se eu tivesse a sorte de morar em um lugar assim, sempre que desse uma festa, faria meus convidados prometerem que os momentos mais bonitos aconteceriam lá. Talvez pusesse placas: “Proibido fazer declarações de amor em qualquer lugar que não seja a varanda.” Seria meu lugar de leituras, de vento dançando nos cabelos, de silêncio, de quietude, de ouvir música baixinho, de namoro ao luar, de deitar na rede e ver o céu. Seria meu lugar.

(Segundo parágrafo em Tom menor)

Ah, meu bem, quisera eu que essas palavras dissessem que estou escrevendo de uma varanda. É madrugada, como sempre, apenas nela as palavras vivem com a intensidade que merecem. Não, não posso ver o céu e não há vento dançando em meus cabelos. Talvez esteja aqui como quem espera num casulo: espero a minha varanda com a mesma esperança de quem tenta descongelar o próprio coração segurando-o com as mãos pequenas e quentes. De repente percebo que meus dedos congelam também. Efeito contrário, tenacidade acentuada, firmeza que não volta atrás. O gelo rouba-me o calor assim como eu roubo lembranças de uma varanda que nunca existiu. Talvez a necessidade desse meu lugar venha do desejo de ver a vida através de qualquer abertura mais ampla que esta janela do meu quarto. Que está fechada, por sinal.


Da enclausurada, porém, sua
S.

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