sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

M,

Ainda acredito nos papéis amarelados. Aqueles, que se guardam em gavetas e que se enchem de poeira e de tempo. Aqueles, comparáveis às flores murchas, guardiãs de páginas de livros. Eis o que um deles me diz:



Triste, triste
Por tudo o que ainda existe
Por tudo o que já (se) partiu
Desapontamento latente,
Por tudo o que nela reside
Por tudo o que nunca houve
Pelo que nunca foi meu
Palavra que não diz nada
Silêncio que oculta o possível
Choro que conta fraquezas
Mão que contrai um afago
Flores jogadas num lago
Atos que negam perdão
E então o futuro escondido
E então o abraço partido
Os filmes nunca vistos
Músicas nunca cantadas
Valsas nunca dançadas
Cartas nunca escritas
Ela, que nunca foi vista
Ele, que nunca enxergou
Eles, enganos recíprocos
Dançando, assim, sem canções
Culpados, não há, que fazer
Nada saiu dos olhares
Tudo ocultou-se nos bares
Pondo-se os pés pelas mãos
Foi só o momento perdido
Um só que vai aumentando
Os dias, em si, consumindo
E o só, de si, se bastando
Porque nunca quis lhe salvar.


Qualquer palavra depois dessa última quebra o encanto.
Despeço-me por aqui.
Beijos, S.

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

M,

(Primeiro parágrafo em Tom Maior)

Começo logo dizendo um desejo: sempre quis ter uma varanda. Seja em uma casa, apartamento, tanto faz. Uma varanda faz-se primordial, elemento tão importante para uma construção quanto os livros são para uma estante vazia. (Uma curiosidade: Sabe que sempre pensei em mim como uma pilha de livros jogados e desorganizados? Confusos. Páginas arrancadas, sem estante.) E, quando falo em construção, digo que ela é um elemento importante não apenas no sentido estrutural da palavra; não me refiro apenas a cimento, areia, ou qualquer dessas materialidades. Varanda é espaço de construção de pensamentos. Se eu tivesse a sorte de morar em um lugar assim, sempre que desse uma festa, faria meus convidados prometerem que os momentos mais bonitos aconteceriam lá. Talvez pusesse placas: “Proibido fazer declarações de amor em qualquer lugar que não seja a varanda.” Seria meu lugar de leituras, de vento dançando nos cabelos, de silêncio, de quietude, de ouvir música baixinho, de namoro ao luar, de deitar na rede e ver o céu. Seria meu lugar.

(Segundo parágrafo em Tom menor)

Ah, meu bem, quisera eu que essas palavras dissessem que estou escrevendo de uma varanda. É madrugada, como sempre, apenas nela as palavras vivem com a intensidade que merecem. Não, não posso ver o céu e não há vento dançando em meus cabelos. Talvez esteja aqui como quem espera num casulo: espero a minha varanda com a mesma esperança de quem tenta descongelar o próprio coração segurando-o com as mãos pequenas e quentes. De repente percebo que meus dedos congelam também. Efeito contrário, tenacidade acentuada, firmeza que não volta atrás. O gelo rouba-me o calor assim como eu roubo lembranças de uma varanda que nunca existiu. Talvez a necessidade desse meu lugar venha do desejo de ver a vida através de qualquer abertura mais ampla que esta janela do meu quarto. Que está fechada, por sinal.


Da enclausurada, porém, sua
S.