quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

M,

Ouvi falar de um cara que colecionava sorrisos. Demorei a conhecê-lo, mas precisava contar para você. Sei que não te escrevo há muito tempo, mas o assunto demandava uma análise minuciosa antes de ser descrito. Viver primeiro, escrever depois. É assim que deve ser. Às vezes, a gente passa tanto tempo sem se apegar a nada que acaba deixando passar o que merecia ficar um pouco mais perto de nós. De qualquer maneira, sei que não podemos comprar nem parcelar o tempo de acordo com o que nos é conveniente, então digo sem medo que sumi ao tentar adequar o meu tempo ao que reservava para você.

Mas vamos aos fatos: esse cara colecionava sorrisos. Não sei até que ponto ele modelava a lembrança e convertia dentes e bocas em algo concreto e colecionável. Só sei que ele tinha um domínio tão completo sobre os sorrisos que parecia manter cada um deles em uma pequena caixa de cristal exposta em prateleiras dentro da própria cabeça. Passou a fazer da vida uma caçada: conquistaria sorrisos como quem conquista um território desconhecido. A cada item novo, ele ficava mais feliz e mais bonito. Me disse assim, sem pretensão nenhuma, enquanto olhávamos um daqueles rastros de nuvem que os aviões deixam no céu: “Todo dia eu pego o sorriso de alguém, ponho em uma caixinha e guardo na minha coleção”. Nunca questionei seus métodos. Apenas perguntei se ele havia pensado no meu sorriso alguma vez, como um item digno de suas prateleiras preciosas.

Ele disse que o meu sorriso foi o primeiro da coleção.


Saudades,
S.

sábado, 19 de novembro de 2011

M,

Está chovendo, sabe? A noite de hoje me transportaria para outro lugar e falhou, meus livros me levariam em direção a outras pessoas e também falharam, a música me proporcionaria outros espíritos e emudeceram. Talvez porque todos nós tenhamos certo desejo de materializar o que pertence unicamente ao pensamento, talvez porque o tempo seja uma instância ingovernável, talvez porque nada que seja sentido possa ser completamente externado. Os porquês não importam tanto, só sei que chove. E lembro de quando segurei seu braço na chuva, pensando em me proteger. Como se um contato ínfimo pudesse me salvar de forças climáticas. Mas eu acreditava nisso, sabe, como acreditava cegamente que conseguiríamos atravessar aquela chuva e chegar inteiros ao momento em que ela parasse. Não chegamos. Por falta de poderes, por falta de vontade, por falta de... nós. A gente olha muito pras próprias mãos e esquece que elas deveriam segurar aquelas, que estão bem ali, na iminência de tocar os nossos dedos.

Se encontrar alguém que se disponha a segurar suas mãos, faça o favor de segurá-las.


Sua, S.