domingo, 11 de março de 2012

M,

Hoje eu resolvi sair correndo na chuva. Não sei se por loucura ou por tédio, se por raiva ou por aflição, se por amargura ou por cansaço. Fui aprendendo que a gente deve parar de pensar um pouco, por virtude do não enlouquecer. Concluí que, não enlouquecendo, estamos autorizados a cometer mais loucuras. Saí, trôpega e louca e sozinha na chuva. Porque precisava me manter sã subjugando a alucinação. As palavras bonitas que colei no espelho para ler quando acordasse estão borradas agora e todo o resto do mundo me parece mais nítido. Seco, palpável, real e nítido. Não que as minhas certezas tenham mudado: calma, meu querido, ainda sou a mesma e sempre serei. Ainda consigo encontrar beleza nas coisas e nas pessoas, só passei a desconfiar delas. Não conservo mais o utópico no topo da minha lista de prioridades, o equilíbrio já tomou o seu lugar. E a consciência, juíza da loucura e da lucidez, faz-se um presente e um escudo contra os desapontamentos do mundo. Corri, guiada pelo vento e tomada pelo frio, até um lugar em que tivesse a certeza absoluta de que estaria sozinha. Olhei para os meus pés, olhei para a noite. Roupa molhada, cabelos grudados na pele, mãos trêmulas. “Seja verdadeira com o mundo e ele será verdadeiro com você”, falava baixinho. A quantidade de pancadas recebidas veio aplaudir a maturidade e era ela que segurava a minha mão ali. Percebi que sou o centro das minhas decisões e é assim que deve ser. Suor, lágrimas, água de chuva. Estava sorrindo.



Sua, S.

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

M,

Ouvi falar de um cara que colecionava sorrisos. Demorei a conhecê-lo, mas precisava contar para você. Sei que não te escrevo há muito tempo, mas o assunto demandava uma análise minuciosa antes de ser descrito. Viver primeiro, escrever depois. É assim que deve ser. Às vezes, a gente passa tanto tempo sem se apegar a nada que acaba deixando passar o que merecia ficar um pouco mais perto de nós. De qualquer maneira, sei que não podemos comprar nem parcelar o tempo de acordo com o que nos é conveniente, então digo sem medo que sumi ao tentar adequar o meu tempo ao que reservava para você.

Mas vamos aos fatos: esse cara colecionava sorrisos. Não sei até que ponto ele modelava a lembrança e convertia dentes e bocas em algo concreto e colecionável. Só sei que ele tinha um domínio tão completo sobre os sorrisos que parecia manter cada um deles em uma pequena caixa de cristal exposta em prateleiras dentro da própria cabeça. Passou a fazer da vida uma caçada: conquistaria sorrisos como quem conquista um território desconhecido. A cada item novo, ele ficava mais feliz e mais bonito. Me disse assim, sem pretensão nenhuma, enquanto olhávamos um daqueles rastros de nuvem que os aviões deixam no céu: “Todo dia eu pego o sorriso de alguém, ponho em uma caixinha e guardo na minha coleção”. Nunca questionei seus métodos. Apenas perguntei se ele havia pensado no meu sorriso alguma vez, como um item digno de suas prateleiras preciosas.

Ele disse que o meu sorriso foi o primeiro da coleção.


Saudades,
S.