terça-feira, 19 de outubro de 2010

M,

Preciso te dizer de algo que não saiu de mim, mas que me encantou exatamente por esse motivo:

"O que ele realmente e profundamente era, não era visível nem perceptível. O que ele era existia assim como uma praia na Ásia que neste mesmo momento em que estais aqui, a praia está lá. Ele mesmo, apesar de não poder se negar, no entanto não se provava nem a si nem aos outros. O que ele realmente era não era passível de prova. O único modo de saberem de sua vida mais real e mais profunda seria acreditar: por um ato de fé admitir essa coisa de que jamais provavelmente teriam a certeza, senão crendo."

Clarice acabou de me dizer isso em suas páginas. Achei lindo, de uma delicadeza e de uma sensibilidade ímpares, como sempre. Tive vontade de encarar novamente uma página em branco e vir correndo te contar, antes que o momento virasse nada. Lembrei-me instintivamente de você, como quando ouço as músicas que costumávamos compartilhar ou quando leio os poemas de que você mais gostava (recitar Pessoa no meio da rua, gritando a plenos pulmões e de braços abertos: loucuras que fazíamos, sons que provavam que éramos doidos-alucinados-maravilhosos). Talvez nessa descrição Clariceana de um personagem - que me trouxe um sorriso discreto por motivos óbvios - eu tenha encontrado um refúgio pela angústia de não conseguir descrever você. Juntei isso à necessidade de dizer essas palavras tão lindas de "praia na Ásia" e afins para alguém (não se sinta sem valor, mas poderia ser qualquer pessoa, eu realmente só precisava dizer) e aqui estou. Faminta por preencher uma página em branco que provavelmente só vai contribuir ainda mais para essa minha angústia-propulsora-de-tudo-nessa-vida-fatigada. Satisfeita e radiante, toda plena por ter realizado um desejo. Um querer tão pouco, esse. Dizer e ponto. Até ínfimo, bobo, eu diria. Sem exigências: nem mesmo a de compreensão. Acho que não consigo te descrever além de poucas palavras, vou treinando aos poucos. Você é bem assim: existe e ponto. Períodos curtos, sem muitas vírgulas. Eu sou toda entrelinhas, sinuosidades, curvas, pele, olhos, boca, reticências...


S.




Ps - Ao terminar de ler,
vou imaginar em ti um sorriso igual ao que estampa o meu rosto agora.

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