sexta-feira, 22 de outubro de 2010

M,

Escrevo como quem sangra. Acho que pressenti o turbilhão que me acomete agora, uma vez que só consegui dormir na madrugada de ontem depois de ler muito, literatura amarga, triste, sôfrega... Hoje fiz questão de comprar um livro novo numa atitude repentina, sair da livraria à tardinha e ver a noite cair enquanto folheava meu novo companheiro. Acabei de chegar à conclusão de que conquistei uma companhia mais cedo para a solidão que enfrentaria mais tarde. Que bom que pude pensar nisso, que pude pressentir. Até nisso estou ficando melhor: prevejo com perfeição a iminência do vazio. Você adquire a prática com o tempo e a sucessão de eventos similares, não é mesmo? Preparo a sala, o quarto, o corredor, a alma. Limpo os trincos das portas, deixo-os brilhantes. Se é para chegar, que o ambiente seja convidativo. Pois que chegue. Fique o tempo que lhe convier. Tenho até flores. Tenho páginas, poesia, pedestais, purpurina, só não tenho um plural. Comigo é singular, sinfonia, solidez. Um tango de Piazzolla que rasga o chão, a voz rasgada de Maysa em uma canção qualquer que escapa pelas janelas trancadas que aprisionam as estrelas lá fora. Pena que o álcool não me apetece, do contrário, sim, caberia perfeitamente aqui. Quem sabe. Das entrelinhas de outrora, apenas meu silêncio. Quando se dá tudo de si e a reciprocidade (lembra da minha última carta?) é nula, a única atitude possível é soprar o castelo de cartas. Sopro forte, decidido, a plenos pulmões. Se é para destruir, que se destrua direito. A imagem que me vem à cabeça: papéis voando. Milhares, incontáveis, todos brancos. Brancos de indiferença.


S.

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